21/05/2018




CARTA ABERTA À COMUNIDADE DA UNEB
A Universidade em tempos de crise: a defesa da autonomia e da sustentabilidade
 No cenário de crise econômica atual, as dificuldades para manutenção das Universidades públicas estaduais têm se acirrado progressivamente. No caso da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), considerando a sua atuação em 19 Territórios de Identidade e a amplitude das suas ações, são muitos os desafios. O principal desses refere-se, sem dúvida, a sua sustentabilidade, entendida como autonomia universitária, financiamento adequado e condições reais de governabilidade.
Os constantes contingenciamentos impostos às Instituições de Educação Superior (IES) públicas estaduais têm limitado a atuação dessas instituições em diversas frentes, reduzindo o seu potencial de efetivar uma educação mais qualificada e apta a contribuir de forma decisiva com o desenvolvimento do Estado da Bahia. Na UNEB, os contingenciamentos têm afetado diretamente o cumprimento das atividades finalísticas de ensino, pesquisa, extensão, ações afirmativas e assistência estudantil. Esse impacto é sentido na grande dificuldade imposta para garantia de recursos para investimentos na manutenção e melhorias na infraestrutura, na aquisição de equipamentos, na contratação de serviços, na contratação e qualificação de pessoal, dentre outros trâmites administrativos indispensáveis à continuidade regular da vida acadêmica.
O posicionamento em defesa da Universidade pública, gratuita e de qualidade, reafirmando a necessidade de revisão das formas de financiamento e de governança das Universidades Estaduais, tem sido demarcado desde o início da nossa primeira gestão. Em nossa concepção, esse posicionamento significa, primeiramente, retomar e garantir a autonomia orçamentária, financeira e de gestão, alinhada aos planejamentos das próprias IES. Entendemos que são as IES que devem definir e aprovar suas prioridades na consecução dos objetivos das suas atividades finalísticas nos diversos âmbitos dos entes federativos, sem reduzir, contudo, a responsabilidade do seu principal mantenedor.
Nessa perspectiva, tal responsabilidade não pode impor às Universidades uma lógica de controle baseada em uma racionalidade econômica que inviabilize o cumprimento das atividades finalísticas e que desrespeite os princípios de formação e de funcionamento de cada Universidade. Desse modo, a sustentabilidade deve preservar a governança das Universidades de forma a permitir que sua autonomia também esteja presente em um diálogo mais qualificado com as diversas instâncias do poder público.
Essa compreensão está alinhada aos textos constitucionais do Brasil e da Bahia. De fato, a Constituição brasileira afirma no Artigo 207 que “as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Enquanto a Constituição da Bahia, no seu Artigo 262, responsabiliza o Estado pela manutenção do ensino superior e reitera a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, bem como a autonomia das Instituições Estaduais de Ensino Superior que integram o sistema estadual de educação.
O Plano Estadual de Educação – previsto no Artigo 250 da Constituição baiana e implantado por meio da Lei Estadual 13.559, de 11 de maio de 2016 –, por sua vez, estabelece diversas metas e estratégias para a Educação Superior, cujas consecuções passam, prioritariamente, pela garantia de sustentabilidade e governança autônoma das Universidades.
Nesse sentido, defendemos que é preciso garantir a sustentabilidade universitária, em conformidade com os dispositivos legais e, ainda, por meio de medidas como:
1 –  o investimento dos 7% da receita líquida de impostos (RLI) na educação superior;
2 –  a revisão da legislação, a fim de permitir às Universidades outras formas de financiamento público e a instrumentalização jurídica do Estado e das Universidades, potencializando os avanços que podem ser alcançados a partir do novo marco legal da ciência, tecnologia e inovação (Lei 13.243/16), o qual amplia a autonomia dos pesquisadores; e
3 –  regulamentações que permitam maior celeridade na tramitação dos processos e na execução dos projetos de pesquisa, ensino, extensão e/ou inovação.
Assim, reiteramos que a própria existência da Universidade pública e das suas missões institucionais depende da sua manutenção e dos investimentos indispensáveis ao cumprimento das suas atividades finalísticas.
Os decretos de contingenciamento e seus impactos na Universidade
Os contingenciamentos de recursos, instituídos por meio de decretos do Governo do Estado, têm estabelecido procedimentos específicos para a execução orçamentária e financeira no âmbito da administração direta e autarquias do Estado desde 2011 (Decreto 12.583, de fevereiro de 2011). Em 2013, por meio do Decreto 14.710, o Governo estabeleceu medidas para a gestão das despesas e controle do gasto de pessoal e de custeio, no âmbito da Administração Pública do Poder Executivo Estadual.
A partir do ano de 2014, por meio do Decreto 15.624, diversas “despesas públicas” relacionadas ao exercício de atividades administrativas foram suspensas, o que impactou diretamente no cumprimento das atividades finalísticas das Universidades. Desde então, os contingenciamentos continuaram a ocorrer. Em 2015, os Decretos 15.924 e 16.417, respectivamente de fevereiro e novembro, estabeleceram “diretrizes para contenção de despesas de custeio e de pessoal” (Decreto 16.417).
Ainda por meio do Decreto 16.593, de fevereiro de 2016, o Governo do Estado estabeleceu que “ficam contingenciados no Orçamento do Poder Executivo Estadual do exercício de 2016, aprovado pela Lei nº 13.470, de 30 de dezembro de 2015, os valores alocados nas dotações de manutenção, de projetos e atividades finalísticas dos órgãos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes e dos fundos a eles vinculados, conforme indicado no Anexo Único deste Decreto”.  De acordo com a medida, “os ordenadores de despesas poderão ser responsabilizados pela realização de gastos ou assunção de compromissos, bem como pela geração de passivos contingentes, à conta de recursos das fontes de que trata este Decreto”.
Embora os decretos de contingenciamento afirmem a necessidade das medidas, “considerando a necessidade da limitação de empenho e movimentação financeira, com o objetivo de manter, na execução orçamentária, o equilíbrio das contas públicas e o cumprimento das metas fiscais estabelecidas para o exercício financeiro” (Decreto 16.593, de fevereiro de 2016) – razão que reconhecemos legítima em tempos de aprofundamento da crise econômica –, é preciso assegurar o pleno funcionamento das Universidades públicas, tendo em vista suas especificidades e relevância para o desenvolvimento estrutural da sociedade baiana. A excepcionalidade da Educação está prevista, inclusive, no parágrafo 1º do Artigo 2º do Decreto 16.417, de novembro de 2015, que afirma que a suspensão das despesas públicas previstas no próprio decreto não se aplica “aos serviços públicos essenciais das áreas de saúde, segurança pública e educação e demais serviços voltados diretamente para o atendimento à população, condicionando-se, entretanto, a prática de tais atos à existência de disponibilidade orçamentária e à manifestação prévia da SAEB e da SEFAZ”.
Além dos decretos, outras modalidades de contingenciamento têm impactado na sustentabilidade das Universidades. Embora o Decreto Financeiro 1, de janeiro de 2018, estabeleça em seu Artigo 1º que fica aprovada a execução orçamentária e a financeira relativas às despesas com pessoal e encargos sociais, outras despesas correntes e investimentos, objetivando assegurar o cumprimento das metas fiscais na execução dos orçamentos fiscal e da seguridade social, em conformidade com o Artigo 3º da Lei 13.833, de 10 de janeiro de 2018, na prática, a disponibilidade financeira mensal não ocorre na proporção prevista no decreto. Isso fica evidente na percentagem de recursos repassados para a UNEB até o presente momento deste ano. As concessões liberadas para o custeio foram de 47,88% do previsto, enquanto para os investimentos na Universidade foram de apenas 8,35% da previsão orçamentária total.
Os efeitos do contingenciamento sobre a missão social da Universidade e perspectivas de atuação
Essas medidas comprometem a qualificação das atividades da Universidade e sinalizam para a comunidade acadêmica e à sociedade um reconhecimento ainda frágil sobre o relevante papel da IES por parte do poder público. É sempre importante destacar que a trajetória das Universidades Estaduais na Bahia tem sido marcada, principalmente, pela forte atuação social – com a inclusão, no sistema estadual de educação superior, de uma parte significativa da população que, historicamente, esteve excluída do acesso – e pela determinante contribuição para o desenvolvimento dos diversos Territórios de Identidade, sobretudo, pela sua principal política: a interiorização da Educação Superior nos últimos 40 anos. De fato, as Universidades têm sido um importante instrumento público de implementação de políticas sociais e educacionais estaduais e federais.
A expansão, a interiorização e a consolidação da Educação Superior pública, gratuita e popular na Bahia são fruto da presença da UNEB nos diversos Territórios de Identidade. A oferta de cursos de graduação (bacharelado e licenciatura) e pós-graduação (lato e stricto sensu) nas modalidades presencial e à distância; a formação de professores; a pesquisa; o desenvolvimento de produtos, patentes e tecnologias; as políticas de Inclusão, extensão e o forte diálogo com a sociedade têm marcado a identidade da UNEB como Instituição de Ensino Superior. Essas ações alinhadas às demandas e projetos estratégicos dos Territórios de Identidade, através da execução e qualificação de processos formativos, consequentemente, articulados com as propostas do Governo, têm sido refletidas em documentos como o Plano Estadual de Educação, o qual reconhece o papel da Educação no desenvolvimento da sociedade.
Diante disso, entendemos que esse reconhecimento precisa se traduzir no comprometimento político do poder público em atuar, permanentemente, em defesa de um sistema estadual de educação superior legalmente formalizado. Esse sistema deve responder tanto às necessidades geradas pelas mudanças demandadas pela sociedade, quanto à qualificação da formação, com garantias à sua sustentabilidade. Isso significa potencializar a atuação de ações já realizadas pela UNEB e que contribuem fortemente para o desenvolvimento, tais como:
1 –  a articulação constante da Universidade com a Educação Básica, buscando qualificar docentes e potencializar projetos de formação;
2 –  a articulação com os arranjos produtivos locais na produção de conhecimentos e de tecnologias sociais que favoreçam a geração de renda e de desenvolvimento territorial;
3 –  a revisão conceitual e operacional da noção de transversalidade da formação, que possibilita a formação em todos os níveis e instâncias nas quais a Universidade atua, o que inclui a realização exitosa de diversos programas, como o de alfabetização e capacitação de jovens e adultos em situação de risco social, o Programa Todos pela Alfabetização (TOPA); o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC); o Programa Universidade para Todos (UPT); o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA); a Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena (LICEEI); o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR) e Especializações em Gestão da Educação e Metodologia do Ensino (SUPROF).
Dessa forma, os investimentos na Universidade precisam ser suficientes para a manutenção da sua missão social e tempestivos para assegurar as metas previstas nos seus documentos de planejamento. A devida atenção à sustentabilidade das IES possibilita às Universidades aprimorar e operacionalizar proposições já postas ao poder público, como o fortalecimento do consórcio das Instituições de Educação Superior, com vistas à consolidação do Sistema de Educação Superior.
Nessa direção, temos defendido ideias para o aprimoramento dos projetos estratégicos de expansão e interiorização da educação superior no Estado, incluindo nessa interiorização os bairros periféricos da Região Metropolitana e do subúrbio de Salvador, que ainda carecem de melhores oportunidades de acesso à Educação Superior pública. Essa ação que pode figurar como uma das medidas estratégicas para a Educação Superior nos próximos 10 anos, com estabelecimento de diretrizes e metas que garantam, entre outras ações, planos de investimento que assegurem a ampliação do acesso e permanência e a qualificação da infraestrutura, tomando como modelo projetos de campi de referência baseados em conceituação e condições específicas.
Também temos defendido que a expansão e a interiorização da Educação Superior precisam abarcar, além do investimento no ensino de graduação, a pesquisa e a pós-graduação stricto sensu em todo o Estado; o fortalecimento da Educação a Distância (EaD) como estratégia de ampliação e democratização do acesso; o desenvolvimento de tecnologias sociais, bem como o fortalecimento da extensão e a articulação de projetos estratégicos associados às potencialidades econômicas de cada território.
Para que essas diretrizes se convertam em metas viáveis, é imprescindível a valorização da Universidade e, sobretudo, daqueles que a constroem, com o investimento nas formas de qualificação do trabalho. Assim, é relevante o crescimento das políticas de assistência estudantil, que deve incluir o acompanhamento biopsicossocial sistemático; a revisão dos planos de carreira; a ampliação das políticas de formação para o quadro administrativo (técnicos e analistas); e o estabelecimento de políticas de reconhecimento do trabalho docente e de fixação docente no interior, o que somente pode ocorrer com o investimento em condições adequadas para o desenvolvimento de todas as dimensões das suas atividades profissionais.
A viabilidade de todas essas proposições depende do fortalecimento da própria Universidade e da qualificação do seu diálogo com a sociedade e com o poder público, a fim de visibilizar as suas atividades e fortalecer a legitimidade das metas dos seus projetos estratégicos. Reiteramos, no entanto, que a efetivação desses projetos tem estreita relação com a garantia da sustentabilidade das Universidades, o que significa resguardar a sua autonomia, a qual permite a execução do planejamento das suas atividades finalísticas com qualidade, e o financiamento e a governança, que potencializam os resultados dessas atividades e favorecem a participação da comunidade. Esse entendimento perpassa a própria ampliação da noção de desenvolvimento, que inclui o viés econômico, mas contempla também as ações democráticas e coletivamente construídas. A prioridade no investimento das Universidades é, portanto, matriz de desenvolvimento em todos os seus níveis, uma vez que, por meio da educação pública e de qualidade, os sujeitos se emancipam, produzem novos conhecimentos e criam as condições para a produção de transformações sociais estruturais.
Diante desse contexto, chamamos a comunidade acadêmica à discussão em seus coletivos e instâncias de governança universitária, no sentido de fortalecer a unidade em torno da defesa da Universidade pública e autônoma. A consolidação da participação, neste momento, é imprescindível para firmar o posicionamento em prol de uma UNEB gratuita, democrática e de qualidade no cumprimento de todas as suas atividades finalísticas. Para isso, também temos buscado formas de intensificar o diálogo com o poder público, a fim de assegurar a sustentabilidade por meio das garantias dos recursos necessários em investimento, custeio e pessoal. Devemos, assim, construir todos os caminhos para a manutenção e fortalecimento da UNEB, por todas as contribuições da Universidade pública para o Estado e pelo patrimônio que representa para todas as baianas e todos os baianos.
Reitoria da Universidade do Estado Bahia (UNEB)

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